quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Lesões do Manguito Rotador



As lesões do manguito rotador são uma fonte muito comum de dor no ombro. A incidência de danos ao manguito rotador aumenta com a idade e é mais frequentemente devida à degeneração do tendão do que por lesão proveniente de esportes ou trauma. Embora as informações seguintes possam ser usadas como um guia para todos os tipos de lesão do manguito rotador, elas visam primariamente às lesões degenerativas completas do manguito rotador. As recomendações de tratamento variam desde a reabilitação ao reparo cirúrgico dos tendões rompidos. A melhor forma de tratamento é individualizada para cada paciente. A decisão de como tratar as lesões do manguito rotador é baseada na severidade dos sintomas do paciente e em suas necessidades funcionais, além da presença ou não de outras doenças que possam comprometer o tratamento. Na consulta com um ortopedista, as informações que seguem objetivam ajudar os pacientes na decisão da melhor conduta a tomar para a sua lesão do manguito rotador, entendendo-se que cada paciente é único.

O manguito rotador é um grupo de quatro músculos que envolvem a cabeça umeral. Eles são denominados Supra-espinal, Infra-espinal, Redondo menor e Subescapular. Estes múculos promovem rotação e elevação do braço e dão estabilidade para a articulação do ombro (gleno-umeral). O supra-espinal é o mais frequentemente envolvido em roturas degenerativas do manguito rotador, mas mais de um tendão pode ser envolvido.  Existe uma bursa entre o manguito rotador e o acrômio que permite aos músculos o livre deslizamento quando se movem. Quando os tendões do manguito são lesados esta bursa frequentemente torna-se inflamada e dolorosa.




Dor, perda de mobilidade e fraqueza podem ocorrer quando um dos tendões do manguito rotador se rompe. Os tendões geralmente se rasgam a partir da sua inserção na cabeça umeral.

Incidência
As lesões do manguito rotador aumentam em frequência com a idade, e são mais comuns no braço dominante, também podendo estar presentes no ombro oposto mesmo na ausência de dor. A real incidência de lesões do manguito rotador na população em geral é difícil de ser determinada, já que de 5 a 40% das pessoas sem dor no ombro podem ter um manguito rotador rompido. Isto foi evidenciado por estudos usando Ressonância Magnética e ultrassom de ombros de pacientes sem sintomas. A maior incidência ocorre em pessoas com mais de 60 anos. Este estudo apoia o conceito de que o dano ao manguito rotador tem um componente degenerativo e, ainda mais importante, que a presença de uma rotura no manguito pode ser compatível com um ombro sem dor e com função normal.

Etiologia

Existem causas intrínsecas e extrínsecas para as lesões do manguito rotador. Um exemplo de um fator intrínseco é o suprimento sanguíneo para o tendão, que costuma diminuir com a idade e transitoriamente com certos movimentos e atividades, o que pode contribuir para a degeneração do tendão e a consequente ruptura.
Uma causa extrínseca seria o dano ao manguito por esporões ósseos abaixo do acrômio. Os esporões atritam o tendão quando o braço é elevado; isto é rotineiramente chamado de Síndrome do Impacto. Esporões ósseos são um outro resultado do processo de envelhecimento. O atrito combinado a diminuição do suprimento sanguíneo resulta em um tendão com menor habilidade para uma cicatrização espontânea.
Este diagrama mostra um esporão ósseo na superfície inferior do acrômio. O atrito repetido do esporão ósseo sobre o manguito rotador pode enfraquecer ou romper o tendão. Durante a cirurgia para reparar um manguito rompido, o esporão é frequentemente removido para aliviar o impacto, o que é chamado “acromioplastia”.

As opções de tratamento incluem:
  1. Tratamento não cirúrgico (conservador)
  2. Cirurgia – Reparo do manguito rotador
    1. Aberto
    2. Mini-aberto
    3. Artroscópico
O tratamento não-cirúrgico tipicamente envolve:
  1. Infiltrações
  2. Modificação de atividades (evitando atividades que causem sintomas)
  3. Exercícios específicos que visam corrigir desequilíbrios musculares muitas vezes presentes
  4. Analgésicos e antinflamatórios
O tratamento não cirúrgico de uma rotura de manguito rotador pode proporcionar alívio em aproximadmente 50% dos pacientes.
O ortopedista pode recomendar o tratamento não cirúrgico para pacientes que estejam mais incomodados com a dor do que pela perda de força do braço, já que a força não tende a melhorar sem a cirurgia. Há alguns fatores que antecipam um mau resultado não cirúrgico:
  1. Longa duração dos sintomas (mais de 6 a 12 meses)
  2. Grandes roturas (maiores que 3 cm)
O tratamento não cirúrgico tem vantagens e desvantagens:
Vantagens:
  • O paciente evita a cirurgia e os seus riscos inerentes:
    1. Infecção
    2. Rigidez permanente
    3. Complicações anestésicas.
Desvantagens:
  • A força não irá melhorar
  • As roturas poderão aumentar de tamanho com o passar do tempo
  • O paciente poderá precisar diminuir o nível de atividades.
O tratamento cirúrgico é indicado para as roturas do manguito que não respondam ao tratamento não cirúrgico e estejam associadas à perda de força, diminuição da função ou perda de mobilidade. As roturas associadas à grande perda de força, causadas por trauma agudo e/ou grandes roturas (maiores que 3 cm) identificadas na avaliação inicial podem também ser consideradas para reparo cirúrgico precoce. O tratamento cirúrgico visa reparar o tendão na cabeça umeral, da qual ele soltou-se. Isto pode ser conseguido de várias maneiras, sendo que cada método disponível tem seus prós e contras. A escoha da técnica cirúrgica depende de uma série de fatores, incluindo a experiência e familiaridade do cirurgião com um procedimento em particular, do tamanho da rotura, da anatomia do paciente, da qualidade do tecido tendinoso e ósseo e das necessidades do paciente. Qualquer que seja o método utilizado, estudos têm mostrado níveis similares de alívio da dor, melhora da força e satisfação do paciente.
As três técnicas comumente empregadas para reparo do manguito rotador são:
  1. Reparo aberto
  2. Reparo mini-aberto
  3. Reparo artroscópico
A habilidade de um cirurgião em particular em reparar um manguito rompido e alcançar um resultado satisfatório varia conforme a técnica. A variação está baseada na experiência e familiaridade com a técnica. Enquanto um cirurgião pode ser capaz de alcançar um reparo de qualidade através de um método artroscópico, outro pode ter resultados melhores com o reparo mini-aberto. Previamente à cirurgia os pacientes devem discutir as opções disponíveis com o seu cirurgião.  Este poderá compartilhar seus resultados usando diferentes técnicas para que assim o tratamento mais apropriado possa ser planejado.

Reparo aberto
O reparo aberto é realizado sem artroscopia. É feita uma incisão sobre o ombro e o músculo Deltóide é parcialmente solto para se ter acesso e melhorar a visualização do manguito rotador. Realiza-se usualmente uma acromioplastia (remoção de esporões ósseos da superfície infeior do acrômio). Embora um procedimento menos invasivo possa ser atraente para muitos pacientes, o reparo aberto permite restaurar a função, reduzir a dor e é durável em longo prazo na redução dos sintomas.

Reparo Mini-aberto
Como o nome já diz, trata-se de uma versão menor da técnica aberta. A incisão tipicamente tem de 3 a 5 cm de comprimento. Esta técnica também incorpora uma artroscopia para visualizar a rotura, acessar e tratar lesões associadas de outras estruturas intra-articulares. Uma vez que a parte artroscópica tenha sido completada, é feita uma mini-incisão para reparar o manguito.

Reparo totalmente artroscópico
Esta técnica utiliza múltiplas pequenas incisões (portais) e tecnologia artroscópica para visualizar e reparar o manguito rotador. É uma técnica consideravelvente difícil de ser dominada e existe uma longa curva de aprendizado para o cirurgião. Aparentemente os seus resultados são muito comparáveis aos dos reparos mini-abertos.







Resultados

Após um reparo do manguito rotador, de 80 a 95 % dos pacientes alcançam um resultado satisfatório, definido como um adequado alívio da dor, restauração ou melhora da função (força), aumento no grau de mobilidade e satisfação do paciente com o procedimento. Certos fatores diminuem a probabilidade de um resultado satisfatório:
  1. Qualidade deficiente do tecido tendinoso
  2. Roturas grandes ou maciças
  3. Adesão inadequada à reabilitação e às restrições pós-operatórias
  4. Idade do paciente (acime de 65 anos)
  5. Trabalhadores com questões judiciais ou trabalhistas envolvidas.
Resultados do reparo aberto:
Autor
Patientes satisfeitos
Melhora no grau de mobilidade
Melhora da força
Ellman
98 %
Sim
Sim
Hawkins et al.
94 %
Sim
Sim
Cofield
77 %
Sim
Sim

Resultados do reparo mini-aberto:
Autor
Patientes satisfeitos
Melhora no grau de mobilidade
Melhora da força
Levy et al.
96 %
Sim
Sim
Paulos et al.
94 %
Sim
Sim
Blevins et al.
89 %
Sim
Sim
Resultados do reparo totalmente artroscópico:
Autor
Patientes satisfeitos
Melhora no grau de mobilidade
Melhora da força
Tauro
92 %
Sim
Sim
Gartsman
90 %
Sim
Sim
Wilson
88 %
Sim
Sim
Estes estudos demonstram que:
  1. Os resultados foram bastante similares tanto com as técnicas aberta, mini-aberta ou artroscópica, quando medidas através de:
    1. Satisfação do paciente
    2. Alívio da dor
    3. Ganho de força
  2. A experiência do cirurgião é mais importante para se alcançar um resultado satisfatório do que a escolha da técnica
A melhora da dor, função e ganho de força tipicamente ocorrem de modo gradativo ao longo 4 a 6 meses após o procedimento.
O índice geral de complicações após uma cirurgia do manguito rotador é estimado em cerca de 10 %, isto baseado em uma grande revisão de 40 artigos publicados. As complicações geralmente envolvem:
  1. Lesão de nervo (1 a 2 %): usualmente envolve o nervo axilar, que ativa o músculo deltóide. Uma dissecção cirúrgica cuidadosa e uma tração e manipulação cuidadosas do braço durante a cirurgia diminuem a probabilidade de lesão nervosa. Na nossa experiência pessoal até o momento não tivemos nenhum caso de lesão de nervo axilar.
  2. Infecção (1 %): O uso de antibióticos durante o procedimento e técnicas cirúrgicas estéreis limitam o risco de infecção. O uso continuado de antibióticos após a alta hospitalar não influencia a taxa de infecção.
  3. Soltura do Deltóide: (menos de 1%): O reparo cuidadoso do Deltóide e a proteção durante o período de reabilitação após um reparo aberto são importantes para se evitar a soltura do Deltóide. Esta complicação não deve ocorrer após um reparo mini-aberto ou artroscópico já que estes procedimentos não o desinserem ou o fazem minimamente.  
  4. Rigidez (menos de 1%): A reabilitação precoce diminui a probabilidade de rigidez permanente ou perda de mobilidade após um reparo do manguito rotador.
  5. Nova rotura do tendão (6 %): Diversos estudos têm documentado uma nova rotura do manguito seguindo-se após todos os tipos de reparo. Aparentemente este fato não acarreta um resultado insatisfatório, ou o retorno da dor ou uma função deficiente. Um estudo recente comparando os índices de nova rotura mostrou uma maior incidência após tratamento todo artroscópico de lesões maiores que 3 cm. Lesões menores tiveram um índice similar de nova rotura em cirurgias abertas ou artroscópicas. Novamente, houve pouca diferença na função dos pacientes quer tenha ocorrido ou não a nova rotura.
Seguindo-se à cirurgia do manguito rotador, a reabilitação progride em estágios. Inicialmente o reparo precisa ser protegido, até que uma cicatrização adequada do tendão ao osso tenha ocorrido. Por esta razão a maioria dos pacientes usa uma tipóia por 4 a 6 semanas após a cirurgia, e são instruídos a limitar o uso ativo do braço durante este período. Exercícios de mobilidade passiva e em pêndulo podem ser orientados. Exercícios de fortalecimento progressivo e de ganho de mobilidade continuam durante as próximas 6 a 12 semanas. A maioria dos pacientes tem uma mobilidade funcional e força adequada entre 4 a 6 meses após a cirurgia.

Resumo

A incidência de lesões completas do manguito rotador aumenta com a idade; entretanto, as lesões nem sempre causam dor. Elas podem ser conduzidas com sucesso com tratamento não cirúrgico em cerca de 50% dos casos. A dor e o grau de mobilidade podem melhorar com o tratamento não cirúrgico, mas a força não costuma melhorar. Roturas grandes, importante perda de força e um início agudo traumático costumam ter mau resultado com tratamento não cirúrgico.
O reparo cirúrgico resulta em redução da dor e melhora da função e força em mais de 80% dos pacientes. Cerca de uma a cada 10 cirurgias pode resultar em complicações. Os procedimentos cirúrgicos para o reparo do manguito rotador têm se tornado cada vez menos invasivos, além de menos dolorosos, com menor perda sanguínea, menor tempo de internamento e geralmente com um período de reabilitação mais fácil. Embora os procedimentos menos invasivos pareçam mais atrativos, eles são frequentemente mais difíceis para o cirurgião e requerem maior experiência para alcançarem os melhores resultados. Por último, todos os métodos de reparo têm resultados semelhantes quando a cirurgia for bem realizada.